em homenagem à cidade de
Carmo do Paranaíba, MG.
"Quero de volta os meus fantasmas: a mulher de 7 metros, a luzinha do cemitério, os enterros que pela minha porta passavam, me deixando sem dormir.
Quero meu medo de volta,
Passar para a cama da mãe altas horas, sem acordar o pai. Quero pescar piabas no límpido Corgo do Morro do Cemitério.
Busco na memória imagens perdidas! Onde estão as gabirobas atrás do cemitério? As mangabas, onde estão? A Fazenda do Faquinha? O poço do Nenen do Salate? As pitangas da Praça do Rosário?
O truco na casa do Toin Pavão com o meu parceiro Lôro? O Pirulito da Avenida, que a gente driblava em dias de jogo? A fanfarra do Estadual, com o Carneiro nervoso quando o Tiprijim tocava Lovanda Maria na corneta? Cadê a Churrascaria Montilla, da Dona Graciana, onde ensaiávamos os primeiros namoros e decepções.
Quero de volta o ônibus do Expresso de Luxo trazendo “os caras” de Patos prá gente bater.
Ai, que saudade das brigas (não tinha intrigas, só brigas!). Que o Hélio Mendes consiga bater no Amador Bomtempo.
Que o Seu Celso Resende dê o Miura pro Plinin parar de chorar.
Que a gente possa arrumar uma namorada pro Zezé do Zoró.
Que alguém dê uma surra no Batata!
Que o time do Barão ganhe da Avenida no sábado e do Niterói no domingo.
Que a Abadia do Bilú inicie outros tantos
Que o Paranaíba ganhe do Araxá e a Dona Zulmira do Pizadura dê uma ”sombrinhada” na cabeça do Juiz.
Que eu tire pelo menos um “6” na prova de matemática com o Zé Hugo.
Que o Belchior dê uma aula sem ressaca e o Bode (Lázaro Carneiro) não durma na sala.
Que eu tire zero na prova de música da Dona Conceição Boaventura só para ser solidário com o Armando do Vevêu.
Que eu grite bem alto “João Pau de Bosta” no recreio sem ser expulso.
Quero beber para afogar as mágoas no Bar do Bechó e fazer serenata pras namoradas dos outros e pra Bolinha.
Quero beber cerveja gelada no Boca do Lobo.
Ah, os festivais!!! Evandro Fontes, Óh, Mio Signore!... Acompanhar o Zé Maria Boca de cantor e a Cecília cantando Anõs, perseguir o Zé Gaspar, o Punga e outros desafinados... Ah, Festivais! Não quero mais!
Que o Humberto Veloso não capote o jipe na Serrinha.
Quero ouvir o Anicésio gritar “Zoró Puriiinho!!!!”
Eu também quero comprar votos na Lagoinha.
Que os Solitários toquem uma música sem o Hélio jogar o prato da bateria na cabeça do Puccini, que o Olavinho não desafine, que o sax do Carlos não guinche, que o Serjão esqueça de casar e que eu possa ler meu gibí em paz.
Quero assistir um ensaio dos The Gorilas na casa do seu Álvaro, ouvir quem sabe o Dalton solar "O Milionário" ou uma música do The Venture.
Quero sentar na Pigalle com a Nonôra e a Vera Resende, e escrever versos sem rimas.
Quero tocar na Missa do Galo com o Frei Venâncio, depois de tomar “todas” na Casa Paroquial tirando gosto com aparas de hóstia!
Sentar na Adega com a Zezé da Gráfica, Dr. Caio, Tião do Debrão e ouvir o violão do Carneirinho.
Quero ouvir o Mário Moreira na Integração, o Nestor narrando um Paranaíba X Bela Vista, e que o Paulinho do Miguilinho faça um gol! Pra quem? Adivinhe!!!!
Quero jogar sinuca com o Canhoto e o Direito e ganhar dos dois sem preconceitos!
Quero ouvir o Elisiário cantando na rodoviária por uma pratinha na latinha.
Quero ir ao Fórum ver o Dr. Barcelos enfrentar o Dr. Antônio Fubá sob o olhar do Dr Luiz Terra.
Quero tirar uma certidão de nascimento com o Bié Cardoso pra provar que sou de lá.
Quero ir à hora dançante no Clube Social prá ver o Lado do “Amerco” brigar com o Serraria. Quero carnaval no Bar do Flávio, ao meio dia! Que folia!!!
Quero ver minha Santa Cruz desaprisionada da colônia penal. Que pecado capital!
Quero cortar o cabelo no João Barbeiro para ouvi-lo dizer que o João Carvalho vai candidatar de novo.
Quero ouvir o riso fácil da Branca da Daura ao descer da escola.
Falar pro Zé Maria Ferreira “a prova é do professor Aramízio! Prá que cola?”
Quero aprender datilografia na Escola da Dona Fia.
Quero ir pro Pé de Estribo pegar o ônibus pros Quintinos.
Quero ir pra Cachoeirinha no sábado pra ver o Evandro Fontes capotar o carro. No domingo pro Soares nadar na água fria e pegar uma piniqueira na lagoa que o margeia.
Quero fazer Admissão com a Dona Maria do Max, comprar pão na Padaria da Nenzinha, feito pelo Miguel Padeiro.
Ir na casa do Mário do Nenem do Moleque, que não se chama Mário, e sim, Ademar, nome pelo qual ele não atende, e tomar o café da Maria.
Quero as chaves do João Carcereiro prá soltar minhas lembranças:
Cadê o Candinho, os Negos da Nazaré, o Luiz do Lelete, o Lázaro Guimarães, o Vandinho Gorila, o Vitinho, o Ratinho, o Preto, o Cambeba, o Ivan, o Bizôrro, o Mário Caetano, o Bigôrra, o Zé Baia, o Zé Cabelo, o Zé Piriquito, o Zé Paraná, e tantos outros Zés.
E onde estão aqueles apressadinhos que não esperaram por nós: Aprígio, Cochila, Lelete, Ivete, Lilico, Carlos do Prego e tantos outros, que nesse momento devem estar fazendo uma zona no céu, tomando cuba libre e cuspindo no chão.
Enfim, eu quero meus fantasmas de volta, mas Deus me livre das almas penadas e das assombrações descritas pelo meu pai."
[Geraldo Eustáquio Magela é radialista e músico (cantor e instrumentista), membro da banda "Os Asteróides", da Cidade de Patos de Minas].